Monday 9 July 2012

Sweet Lightness - Part Two

Com muita dificuldade, ele abre seus olhos. Já amanheceu. Símbolos e sentimentos se misturam. Sem certezas ou tão pouco respostas. Apenas mais perguntas e conjecturas. O sol já brilha do lado de fora.

Desanimado, ele se lembra do compromisso. É domingo mas ele precisa ir trabalhar. Seu corpo reclama. Sua mente começa a criar possíveis desculpas e histórias. Ele não quer ir. Mas se veste rapidamente. E vai.

Ele olha para trás. 

Prossegue, mas olhando para trás. Sonhando com o que deixou para trás.

Os dias se repetem. Ele tem trabalhado. Não com o que ama. Mas com aquilo que lhe foi permitido trabalhar. E do seu suor, moradia, alimentação, transporte e deveres são alcançados e pouco a pouco, cumpridos. Ele tenta ao menos, sonhar novamente. Mas seus sonhos são perturbadores. Muito distantes do que no passado, ele chamou de inspiração. A cada manhã, ele se levanta e caminha lentamente até o banheiro. Se olha no espelho e enxerga mais fios brancos. E passa a enxergar de igual modo um sentimento que poucas vezes experimentara: Medo.

Durante seus dias, eventualmente ele observa suas cicatrizes. Ele perdeu as contas de quantas vezes pensou em escrever sobre os cortes, hematomas, dores e feridas que tem colecionado nos seus anos longe de seu país de origem e relacionar os mesmos com a culpa que carrega. Mas ele não tem conseguido. Na verdade, escrever é cada vez mais difícil. Tem lhe sido negado qualquer inspiração para tanto.

Nos últimos meses, ele observa um reflexo do quanto está preso. Sua prisão sem muros. Trabalha para comer. Para se vestir. Quer questionar, mas está cansado. Precisa acordar cedo em cada manhã seguinte. Pensa em dobrar os joelhos, e chorar pedindo perdão a Deus. Mas não sente que possa ser ouvido ou mesmo perdoado. Busca ser diferente, mas percebe que tem estado como tantos outros: Perdido. Se lembra de seu velho amigo no Brasil, Santana. Sobre como ele temia ser como Santana, que havia desistido de lutar e apenas seguia o rumo dos eventos que a vida lhe trazia. Santana trazia lindas e sábias palavras, mas vivia apenas o que lhe davam. Não. Ele não julgaria mais a Santana. Nem a ninguém mais. Somente a si mesmo.












Thursday 21 June 2012

Sweet Lightness - Part One

Ele perdeu as contas de quantas vezes se mudou nos últimos 4 anos, desde que abandonou seu país e sua antiga vida. E, depois de um longo dia de trabalho, ele está em um trem, indo em direção a casa para onde ele se mudou há poucos dias atrás.

O tempo deixa de ser percebido enquanto ele se aprofunda nas questões levantadas pelo autor do livro que está sendo lido por ele. Ele é interrompido e trago de volta a este mundo por uma senhora de avançada idade que se senta ao lado dele no trem. Logo, algo curioso chama a sua atenção: A senhora ao seu lado tira da bolsa de couro vermelha um tablet. E começa também a ler.

Ele olha para si mesmo e percebe o velho livro em suas mãos. Páginas amareladas, capa amassada e abas deixadas para marcar algumas páginas. Do seu lado, a mesma senhora passa delicadamente os dedos pela tela do tablet, em um movimento natural, completamente penetrada em sua leitura. A contradição o leva a sorrir. Velho e novo se misturam naquele trem. Mas a viagem é a mesma e também possui o mesmo destino.

Foram semanas até que uma força maior tomasse o controle e o permitisse expressar uma pequena parte daquilo que o tem atormentado. Ele tem sentido uma necessidade avassaladora de estar só. Talvez ainda haja a necessidade de registrar de alguma forma, parte dos sentimentos que o dominam.

Ele não sente saudades dela. Não que outra pessoa tenha ocupado o espaço deixado há meses atrás. Olhando para trás, ele se regozija no fato de hoje estar completamente só. Nos últimos anos, ele colecionou mais desafetos e perdeu mais amizades do que conquistou. Isso foi motivo de tristeza por alguns dias. Hoje, ele não se importa mais.

"Es muss sein" 

O capítulo lido dias atrás o permite viajar de volta para uma fase vivida por ele há pouco mais de um ano, quando, deixando o peso de suas responsabilidades e deveres, se permite viver um dos seus mais antigos sonhos. Ele não conseguia enxergar qualquer outra opção naquele momento. Estava apaixonado e estava diante de si, a oportunidade que tanto ansiava. "Es muss sein" - It must be!

Ele não se arrepende do que fez, apesar de todas as consequências e feridas que sua decisão proporcionou tanto a si mesmo quanto em pessoas tão estimadas por ele. Simplesmente por que aquilo precisava ser feito! E apenas após ter lido um determinado capítulo de um determinado livro, ele compreendeu isso.

- Continua.

Thursday 24 May 2012

No Calor da Noite

Estou acordado olhando o passar das horas
Me sinto desconfortável com o calor desta noite
O Inverno se foi. Não consigo voltar a dormir
Busco, olhando pela janela, uma visão
Alguma resposta


A silenciosa inquietude da noite
Torna-se minha nova amante
Me recordo neste insuportável instante
Dos amores em chamas
Das lágrimas e dos sorrisos
Como cores quentes em uma mesma pintura


Me lembro das culpas e das mágoas
Das feridas abertas e das tentações sucumbidas
Para, de súbito, tudo desvanecer em trevas


Ao acender de uma tênue luz ao longe
Percebo que permaneço em frente ao mesmo espelho
Para acordar uma segunda vez
Ao lado de uma mulher adormecida que pertence a outro


E me pergunto: Até quando
Permanecerei
Dormindo
...







Sleep - Poets of the Fall


"Hear your heartbeat
Beat a frantic pace
And it's not even seven AM

You're feeling the rush
of anguish settling
You cannot help showing them in.

Hurry up then
Or you'll fall behind and
They will take control of you

And you need to heal
The hurt behind your eyes
Fickle words crowding your mind

So
Sleep, sugar, let your dreams flood in,
Like waves of sweet fire, you're safe within
Sleep, sweetie, let your floods come rushing in,
And carry you over to a new morning

Try as you might
You try to give it up
Seems to be holding on fast

It's hand in your hand
A shadow over your
A beggar for soul in your face

Still it don't matter
If you won't listen
If you won't let them follow you

You just need to heal
Make good all your lies
Move on and don't look behind

Day after day
Fickle visions
Messing with your head
Fickle, vicious
Sleeping in your bed
Messing with your head
Fickle visions
Fickle, vicious"



Wednesday 16 May 2012

Longe Demais


"Alone in the shadows, of a willow tree
I watched from the dark
As you crossed through the park
Coming closer to me
Those brief moments return of the day we first met
The time we shared with that special care
Free from all jealousy
There must be a distant place
Far from every wrong face
Ters won't fall by chance
On this sweet romance..."




Um casal ao telefone faz juras de amor eterno. Logo depois falam sobre algumas fotos comentadas em uma rede social e passam a trocar acusações. Eles choram e ficam em silêncio por alguns momentos até que um deles diz mais uma vez: "Eu te amo". Continuam a chorar um pouco mais e terminam a ligação com mais algumas juras de amor.


Me lembro dos meus dias de apaixonado e percebo que não era muito diferente comigo. Tudo era mágico, especial, único e inesquecível. Até o sofrimento me bater um sem número de vezes na face e me mostrar que a dor não podia mais ser ignorada. E então, de uma forma ou de outra, chegava o tão temido e libertador "fim".


Hoje, assistindo cenas como essas em filmes, livros, músicas e muitas vezes pessoalmente, como testemunha ocular, de casais de amigos meus que vivem e sofrem as desventuras de um relacionamento amoroso, percebo que tudo isso provoca uma tremenda revolta nas minhas entranhas. Sinto um desejo louco de sair de perto e de parar de ouvir tamanha quantidade de merda.


Já estou há mais de oito meses sem me apaixonar por alguém (para alguém que fora tão romantico como eu, uma eternidade, acreditem). Não tenho conseguido chegar nem perto disso. Na verdade, tenho que me controlar para não me aproximar de certas amigas e amigos e dizer: "Acorda! Não percebe o quão ridículo(a) você está se mostrando??" E então... eu me lembro dos meus próprios momentos no passado no papel daquele "cavaleiro de armadura, montado em um alazão branco, e segurando uma rosa vermelha, desafiando o mundo inteiro pelo amor daquela jovem vadia princesa indefesa".


O que me espanta as vezes, é que não foi a primeira decepção amorosa que eu tive. Nem a segunda, terceira, quarta... e de todas elas, eu saía com a esperança e convicção que havia sido apenas a pessoa errada, ou o momento errado ou mesmo o "glauco" errado. E ainda, que havia algo a ser feito para encontrar a felicidade de um doce romance perfeito no futuro. Uhum! Sei... que porra de conto de fadas louco foi esse em que eu passei pelo menos uns 14 anos da minha vida acreditando? Logo eu, alguém que ama ler Kant, Sartre, Hesse, Dostoyevsky, Hemingway e Kerouac... que já possui um tempinho nessa Estrada... que já viveu tantas ilusões e desilusões... levar tantos anos para perceber que os erros no fim, eram apenas os mesmos.


Não estou dizendo que não acredito no amor. Mas esse amor piegas... super influenciado pelas comédias romanticas hollywoodianas e contos de fadas antigos...desses que fazem meus amigos e amigas falarem com voz de criança resfriada, fazendo juras sobre coisas das quais não possuem qualquer tipo de controle, de se negarem a dignidade de serem eles mesmos apenas para evitar "contrariar" o/a amado(a), esse mesmo "amor" só faz rima com dor e dor de cabeça.


Eu sinceramente não sei o que me destina o futuro (uma outra cuspida caprichada para o alto, talvez?) mas sei que hoje, me sinto realmente livre e feliz. Continuaria eu, apreciador de uma boa companhia feminina e de uma longa noite de sexo selvagem? Claro. Mas agora, nada disso se correlaciona com o tipo de amor mencionado e xingado neste texto.



Sunday 6 May 2012

O Inverno de nossos Corações


São aproximadamente 45 minutos de caminhada até o Finsbury Park. Ainda não são sete da manhã e a chuva continua caindo. Se inicia um frio dia de Primavera. As pessoas se apertam umas contra as outras em frente ao ponto de ônibus, embaixo de uma cobertura para escaparem daquela insistente chuva enquanto observam ansiosas, os minutos restantes exibidos em um painel digital para a chegada das respectivas conduções para seus trabalhos.

O que chama a atenção, entretanto, é um casal entre eles. Deitados, envoltos em pelo menos dois antigos "sleeping bags", sobre folhas de jornal e toalhas. Divindo o apertado espaço com as demais pessoas que estão em pé e que parecem ignorar por completo a presença dos mesmos. Imagens como essa não são tão estranhas. Não para pessoas que já viveram no Rio de Janeiro ou em outras grandes cidades espalhadas pelo mundo.

Mas naquela específica manhã de Primavera em Londres, quando pelo menos três camadas de roupas buscam manter cada um aquecido, algo mais pode ser observado naquele casal: Eles estão abraçados. Compartilhando praticamente a única coisa que possuem no momento. A companhia e o calor um do outro. Em contraste com a indiferença que as demais pessoas que estão divindo os mesmos poucos metros quadrados de abrigo contra a chuva com eles. Aquelas pessoas estao todas juntas ao mesmo tempo que parecem estar completamente isoladas em seus próprios castelos.

Os pensamentos voltam para dois dias atrás, quando numa noite tão ou mais fria, passando por uma escura rua próxima a "Charing Cross Station", um outro casal, de idade bem mais avançada e vestindo roupas elegantes, dividem o mesmo espaço com alguns "Homeless" que estavam deitados no chão. Mas o casal parecia bem confortável no meio deles, conversando, sorrindo e distribuindo alimentos. De forma alguma aqueles homens e mulheres de suja aparência e tentando sobreviver a mais uma noite, pareciam lembrar-se de que estavam abandonados a própria sorte. Talvez por que, de fato, não estivessem.

Científicamente, o Frio poderia ser explicado como um processo sensorial produzido pela perda do calor de um corpo ou objeto. Mas também poderia ser definido por aquilo que toma lugar nos corações humanos quando o amor diminui e dá espaço para a vaidade e preocupação excessiva ao "Self".

E tudo em volta parece contribuir para tal esfriamento. O Sistema, as pessoas e seus relacionamentos, seus sonhos e projetos. Nada mais é em observação as reais necessidades dos demais semelhantes. Quase todos querem ser lembrados, buscados e cuidados. Mas realmente muito poucos realmente lembram, buscam e cuidam.

"But the little sticky leaves, and the precious tombs, and the blue sky, and the woman you love! How will you live, how will you love them?" Alyosha cried sorrowfully. "With such a hell in your heart and your head, how can you? No, that's just what you are going away for, to join them... if not, you will kill yourself, you can't endure it!"

"There is a strength to endure everything," Ivan said with a cold smile.
-Fyodor M. Dostoevsky, The Karamazov Brothers.

Talvez a grande maioria das pessoas estejam vivendo uma Estação diferente. Um Inverno prolongado em seus corações.

Friday 6 April 2012

Um Coração na Estrada

Lua cheia. Uma fria noite de primavera. Do lado do esquecido jardim, onde antigas estátuas observam a beleza do canal que desce ao longo da propriedade, um timbre agudo e estridente é ouvido. Um vaso quebrado se coloca no caminho até a pequena lagoa. Dois leões segurando escudos observam seu caminhar. Nas sombras, uma pronação aumenta o timbre. As árvores e as nuvens cobrem a lua. E então, uma supinação. O timbre é diminuido e uma respiração é presa. A música segue. Ele volta para a sala. Fecha as portas, fugindo do frio e da escuridão. Fica a pensar do que mais ele estaria fugindo. Seria da dor? Do passado? Bach. Magnífico. Se sente confortável agora. Talvez ele possa responder algumas cartas. Talvez ele possa dar seguimento ao seu livro. Mas a música, a lua e o vinho, o arrebatam daquele lugar. Sem resistir, ele se entrega. Seu coração já conhece o caminho.

Fiquei pensando durante quase toda semana em algo que algumas amigas minhas me disseram no final de semana passado, enquanto nos divertíamos pelas noites de Londres. Principalmente por que, em outras ocasiões, outras pessoas também muito queridas comentaram sobre o mesmo assunto: Minha suposta aversão pelo Brasil.

Não é um assunto simples para mim. Não se trata, tão pouco, de fazer pouco caso de tudo quanto vivi no meu país e deixei para trás. O que para mim se mostra interessante, é o fato de que, por não desejar compartilhar com a maioria, os reais motivos, eu tenho dado desculpas que não correpondem exatamente com a realidade. Sim, eu tenho mentido.

Não se trata de dinheiro. Eu não era rico e nem tinha uma carreira, é bem verdade. Mas eu vivi muitas diferentes fases. Vivi no muito e no pouco. Tive alguns empregos interessantes, outros nem tanto. E sempre tive muitos amigos. As mais loucas atividades e diversão nunca me faltaram enquanto estive no meu país.

Não se trata de visão política ou social. Por mais que eu tenha pesadas críticas sobre tudo que acontece de podre, e posso dizer isso sem medo de errar, pois trabalhei na política do meu Estado, não foi esse o motivo. Nem o fato de eu sentir uma forte repulsa a falta de educação e certas manifestações culturais típicas de onde eu vivi.

Qual seria então, o motivo de estar tão feliz, mesmo longe das pessoas que mais amei? Mesmo longe de onde minha inteligência e cultura eram muito mais reconhecidas? Por que eu não consigo sentir o menor desejo de retornar?

Vou ser sincero: Desde antes da morte do meu pai, quando eu tinha dezessete anos de vida, eu sonhava em ser livre. De conhecer uma liberdade que ninguém havia me apresentado ou falado sobre, mas que havia nascido no meu coração antes mesmo de eu me apaixonar por uma menina pela primeira vez. Eu sonhava em não ter uma família, em não pertencer a nenhum grupo específico da escola e, principalmente, em não fazer o mesmo percurso das demais pessoas que vieram antes de mim.

Após a perda do meu pai, eu fiquei em choque. Senti um desejo imenso de ser pai e de possuir uma família. Mas a origem disso me é bem clara hoje: Eu me sentia culpado por não ter sido um bom filho. O filho que meu pai havia sempre sonhado. Uma cópia melhorada dele mesmo. E esse desejo me seguiu por muitos anos. E esse mesmo desejo lutou ferozmente por mais de uma década contra minha natureza. Até que, em algum momento, na maior e mais completa sinceridade comigo mesmo, eu percebi que caminho eu deveria tomar. Era chegado o momento de não mais negar a mim mesmo quem eu era.

Eu realmente acreditei e compartilhei, inclusive com pessoas próximas ou não, que aquele desejo de possuir uma família era meu maior sonho.

Hoje, não.

A vida me revela de forma honesta, no presente momento, que claramente só há um sonho dentro de mim: Ser e continuar livre! Somente há poucos anos atrás, desde que abandonei meu país, família e amigos, eu alcancei essa verdade. Eu amo não saber o que vai acontecer comigo. Não possuir a menor idéia de como ou onde eu estarei vivendo nos próximos meses ou anos. Desconhecer as pessoas que vão entrar ou vão sair da minha vida. De viver uma página em branco, praticamente todos os próximos anos de minha existência.

Hoje, sim. Hoje eu vivo o meu maior sonho. Apenas o primeiro passo na minha Estrada.

Saturday 31 March 2012

O Pássaro Morreu

As ferramentas disponíveis eram antigas, desgastadas pelo uso e pela falta de cuidado. Ainda assim, o trabalho continuava precisando ser feito. E então, a frustração. Nada parece funcionar. Linguagens diferentes são ouvidas: Polonês, Lituano e Russo. Quando alguma linguagem mais familiar é ouvida, é sobre um assunto desinteressante: Futebol. Talvez as diferenças entre as pessoas na "Pátria Amada" e na terra da Rainha não sejam tão grandes assim. Os meus pensamentos definitivamente não estavam ali.

"Awakening from this dream, he was overwhelmed by a feeling of great sadness. It seemed to him that he had spent his life in a worthless and senseless manner; he retained nothing vital, nothing in any way precious or worth while. He stood alone, like a shipwrecked man on the shore." Siddhartha, Hermann Hesse.

Não me recordo de quantas vezes acordei, pensando sobre onde eu estava e sobre quem eu tenho sido. Sobre todas as mudanças que sobrevieram. Com o amargo das consequências de cada decisão tomada e o peso que insisto em carregar, sinto minha respiração se tornar cada vez mais difícil. Então, algo acontece. Penso em tudo que tenho aprendido até aqui e me acalmo. Há um propósito. Sempre há um propósito para tudo abaixo dos céus.

Minha camisa está suja com o meu sangue. Mais uma vez. Olho para as minhas mãos e percebo que, por conta de algum descuido, me cortei. Mas é apenas um ferimento que deixará uma pequena cicatriz. Não me importo. Nunca me importo e penso no quão terrível é não se importar. Seja na mão, braço, peito, pernas ou coração. Vivo de levantar e prosseguir. Continuo o trabalho, mesmo sentido a dor em executá-lo. Por quanto tempo mais irei me punir pelas minhas faltas?

Estou morando mais próximo do meu trabalho. Aproximadamente trinta e cinco minutos de caminhada. No caminho, um parque. Com interesse, atravesso o mesmo pelas manhãs e noites que antecedem e procedem minha escala diária de trabalho. Nestes primeiros dias de Primavera, a presença do sol é muito agradável. Hoje fico a pensar nos sonhos que tanto me perturbam. Busco o refrigério das árvores. Havia tanta tristeza em mim. Porém o dia me convence que eu estava errado. Me convence que preciso mudar meu humor. Um pequeno esquilo parece me seguir, com um olhar curioso. Começo a conversar com ele. Apesar da timidez inicial, ele se aproxima. Sento na grama, abro minha velha mochila, cheia de remendos, e tiro de dentro um saco de peras. Mordo a fruta e levo o pedaço para bem próximo do esquilo. Para minha surpresa e admiração, ele não apenas agarra o pedaço, como também usa os dentes para descascar a pera, para em seguida comê-la. Após praticamente comer minha pera sozinho, ele se vai, me deixando feliz e embaraçado. Meu humor havia sido drasticamente alterado por aquela criatura.

Um reinício. Mais uma Reinvenção. Uma nova página em branco. Como um náufrago, me coloco de pé e de costas para as águas. Preciso deixá-las conduzirem para longe, toda a sobrecarga que insiste em me fazer companhia. Neste momento, porém, me sinto sozinho. E me sinto bem assim.

Wednesday 21 March 2012

Still got the Blues

"Not being able to govern events, I govern myself."
- Michel de Montainge.

Na Minha Solidão - Miserável Blues

Tanto já fora lançado aos ventos
Sonhos, frustrações e melancolia
Indagações e tão diferentes contos
De quem um dia conheceu a alegria

Janelas fechadas e chuva a cair
Pois há a mesma triste canção
Gritos que não se podem ouvir

E as sombras já descem sobre todos
Um quarto vazio, uma noite sozinho
Lembranças de planos mal traçados
Com sede, mais um cálice de vinho

E na solidão, uma nova provocação
No caminho torto deste meu coração
O meu nome hoje é blues.

::

Hoje a noite eu tive companhias excelentes: Um Merlot Californiano...doce, eu sei, para tratar do amargo gosto que tenho sentido, e Blues. Muitos Blues. Gary Moore, John Coltrane, Ella Fitzgerald, Duke Ellington e uma generosa dose de Louis Armstrong.

Neva em quase toda a Europa neste momento. Aqui, apenas uma leve chuva. Mas eu sentia um desejo tão grande de caminhar, que esquecendo propositalmente o guarda-chuva, deixo ela me molhar. Por um momento, fixo o meu olhar na antiga igreja ao lado do parque.

Volto para casa. Me sento em frente ao computador ainda molhado. Meu chá verde esté gelado. Tal qual minhas mãos. Ligo o aquecedor e volto a escrever. Por que parece ser tão mais difícil agora, voltar a escrever? Por que compartilhar se tornou tão difícil?



Me pergunto mil vezes o que estou fazendo e para onde estou indo. A única resposta que tenho vem do Blues: Sonho um pequeno sonho. Talvez com lugar e hora para terminar. Mas vou aproveitar até o últimmo momento, cada pedaço deste pequeno sonho. Vejo as notícias sobre o meu país e tudo o que vem acontecendo e perco completamente a vontade de voltar. A economia mudou, a realidade de alguns mudou, mas o pensamento de muitos continua completamente o mesmo. E tal qual saí do Brasil, ainda me sinto doente por conta desse pensamento.

"Every now and then a clear harmonic cry gave new suggestions of a tune that would someday be the only tune in the world and would raise men's souls to joy."
- On the Road, Jack Kerouac.

Ainda estou aqui. E não sei o que vai acontecer comigo se eu permanecer nesta Estrada. Só sei que nesta noite, eu sou o Blues.

Wednesday 14 March 2012

Entre Sonhos

Não há estrelas no céu quando o vejo. Parece fazer tanto tempo desde nossa última aventura juntos. Não sei bem onde estou. Além dos muitos barcos ancorados em diversos piers que me fazem lembrar de Barcelona, não há um sentimento de familiaridade com o local. Ele se aproxima de mim, mas não muito. - Você esta atrasado! Elas estão nos esperando para almoçar e já estamos quase na hora do jantar!

Não escuto sua voz. Nem vejo o brilho dos seus olhos. Mas entendo o que me diz. Então, em meio as poucas luzes, começo a segui-lo em direção ao balcão de um velho bar, a beira da praia. Percebo naquele momento que há mais pessoas no local. Indo e vindo. Conversando entre elas, agitadas pelo clima de festa que esta estranha noite parece trazer mas que tão dificilmente conseguirá me contagiar.

São duas lindas meninas a nos esperar. Não parecem tão aborrecidas assim pelo meu atraso. Na verdade, são puro sorriso e excitação. Rapidamente se apresentam mas eu não consigo escutar seus nomes. Uma delas, a mais nova, eu já conhecia de outros carnavais. O que ela faz aqui, eu me pergunto. E quem é levado cativo em seu olhar sou eu. Logo em seguida, percebo que ele fala comigo: - Essa já é sua, filho.

Ela larga displiscentemente um copo com algum drink em cima do balcão, vem até mim em poucos passos, de forma sensual e me envolve com seus braços. Poderia ser ela, uma outra pessoa? Por que então, cada lembrança parece me envolver mais intensamente que seus braços? Eu espero que não seja realmente ela. Que seja apenas minha mente exausta a me confundir, fico a rogar. E busco no corpo dela alguma confirmação.

Silêncio. Quero ouvir algo dela. Então percebo que não preciso de respostas. Olho casualmente para o outro casal. Eu tento algum contato pelo olhar com ele. Nada. Ele parece ocupado demais com a outra menina. - Pai! Eu chamo. Ele dirige o olhar lentamente até mim mas não diz uma só palavra. Mesmo uma que eu não pudesse ouvir. Eu digo: - Estou indo agora. Eu olho para ela e sussurro em seu ouvido: - Você fica aqui com eles, tudo bem? Ele me responde apenas com um olhar enfurecido.

Acordo. Há lágrimas em meu rosto. Me sinto desorientado e procurando entender onde eu estou. Distante dos únicos que talvez se importem realmente comigo. Carregando muito mais culpas do que quando cheguei. Sentindo meu coração completamente esmagado contra meu peito. Minha respiração parece estar falhando. Me concentro por um momento, tal como se fosse necessário lembrar de como executar algo tão simples. Me acalmo. Me levanto. Vou mais um dia, trabalhar.

Thursday 1 March 2012

Um Dia Qualquer

Foram apenas duas horas e trinta minutos de sono. Ele acorda inúmeras vezes, vira para o lado e segura de forma desajeitada o celular, para confirmar as horas. Faltam 4 minutos para o despertador disparar o alarme. Ele decide desliga-lo antes e se levantar. Mais um dia de trabalho o aguarda.

Londres, UK. O país ainda sofre os efeitos da crise internacional. Pessoas demais, empregos de menos. Com a abertura do país para a entrada de estrangeiros do Leste Europeu, a situação apenas se agravou. O preço das Universidades aumentou consideravelmente. Sem bons trabalhos e agora, com a possibilidade de estudar ainda menor, uma questão volta a assombra-lo. Por que continuar?

Lentamente, ele se levanta da cama barata comprada há poucos meses e já com algumas molas arruínadas. Procura pelas meias e em seguida pelo par de tênnis. Por fim, veste um jumper extra, seu casaco pesado e sua boina. Coloca algumas outras peças de roupa na mochila (para serem usadas na academia) e sua escova de dentes.

Na cozinha, ele coloca uma caneca de leite desnatado que fora comprado no dia anterior com um pouco de café solúvel no microwave. Dois minutos bastam para seu café da manhã estar pronto. Assim que termina de beber, ele pega as chaves, carteira, mochila e seu Oyster, e desce as escadas da Dover House em direção a estação de Brixton. Ainda não são sete da manhã.

Pela manhã, ele pensa em desistir. Está cansado e com frio. Não tem dormido mais do que quatro horas por noite há muitas semanas. Ele também pensa no seu deus. Haveria algum propósito em ter fé e continuar agindo da mesma forma indisciplinada, dos últimos 3 anos? Não é a primeira e nem a última vez que ele pensará sobre isso.

O dia de trabalho não é tão desagradável. Os colegas de trabalho, Ingleses da cidade de Newcastle e Sunderland, o tratam com respeito. Sua função é distribuir e instalar diferentes tipos de cabos elétricos em um prédio em construção. Um fututo alojamento para estudantes universitários no Norte de Londres. Ainda não há janelas ou paredes externas, o que permite que o vento gelado do inverno o atormente durante o dia. Mas em alguns dos quartos, há telas de proteção que impedem a entrada do vento e também da luz. São nesses lugares onde ele se sente melhor. Sozinho, na escuridão. Perdido em pensamentos.

No fim do dia, um convite da parte dos seus colegas de trabalho. Jantar em um "Pub" próximo. A conta vai ser paga pelo patrão, anuncia um deles. Ele decide ir.

The Twelve Pins. Um tradicional pub Irlandês. Comida caseira e uma variedade razoável de cervejas. Diversos telões de tv transmitem diferentes partidas de futebol. A maioria dos que ali estão no momento, parecem ser ingleses que acabaram de sair dos seus trabalhos. O chefe se chama Carl. Ele tem 37 anos, casado, dois filhos. Ele faz questão de pagar uma "Brown Ale" produzida na sua cidade natal e que leva o mesmo nome: Newcastle.

No início eles não encontram um lugar para sentarem. O Pub está realmente cheio. Até que uma das waitress, os convida para sentar em uma das poucas mesas localizadas no fundo do Pub. Eles começam a beber e conversar. No início falam de futebol. Parece que os homens ingleses, principalmente os que trabalham na área de construção civil, só sabem falar de futebol. Mas quando estão na terceira rodada de bebidas, eles se abrem mais. O patrão começa a perguntar sobre sua vida e ele comenta de suas viagens. Com isso, passa a se tornar o centro das atenções da mesa. Cada um com seu celular nas mãos, passam a mostrar as fotos de familiares, viagens, etc.

Ele passa a perceber que aquele momento é exatamente aquilo que ele procurava quando tanto desejava sair do Brasil: Dividir experiências com outras pessoas ao redor do mundo. Começam a falar de passado e futuro, experiências e planos. Terminam a quinta rodada de bebidas e decidem ir embora. Ele se despede, agradecendo o convite, o jantar e a conversa. Segue para a estação de trem mas desiste de ir para casa pelo meio mais rápido. Ele vai caminhando. Pensando em tudo o que falou e ouviu, ele decide que ainda vale a pena ficar ainda um pouco mais na cidade. Ansioso para pisar na Estrada. Mas feliz por não mais estar sonhando com uma vida diferente. Ele está agora vivendo seu sonho.

Friday 13 January 2012

O Menino que vivia nas Sombras

As opiniões pouco se mostravam importantes. Talvez fosse orgulho. Desejo de seguir um caminho exclusivo. As pessoas eram diferentes. Não foram constituídas nem forjadas com o mesmo tempero que deram origem a este conjunto de escudo e espada.

Ego. Como uma criança, enxergava o mundo, a realidade e tudo que nela há a partir apenas dos seus olhos e dos seus frágeis e incertos conceitos. Um príncipe criado em um castelo indevassável. O resto era visto com curiosidade, porém falso interesse.

Era rei apenas em sua própria ruína. Os laços que havia feito eram frágeis e se desfizeram com incrível velocidade. O castelo, por fim, ruiu. Nada abaixo dos céus permanece para sempre. Começava a entender e aprender sobre certas verdades na vida.


Com o decorrer dos anos, viu que as areias não deixavam de cair por sua causa. E nem deixavam de fazê-lo por ninguém. O mesmo sol estava acima de todos. Então, mais uma vez, procurou um caminho diferente dos demais. Ele escolheu habitar nas sombras.

Ausência de medo. Amava as sombras como poucos. Se haviam fantasmas naquele lúgubre território, ele haveria de se tornar um deles. Nada mais importava. Grandes referências haviam partido para um mundo onde ele não desejaria ir naquele momento.

Havia mudado sua forma de lutar e suas armas. Mesmo a armadura já não fazia mais sentido em ser usada. Sentia-se protegido pela solidão e pelo silêncio. Ninguém haveria de saber o que se passara naquele coração. E assim, enxergava-se como privilegiado.

Uma multidão de sentimentos era assistida tal qual uma peça, com os atores tão próximos dele, mas ainda assim, sem vê-lo. Um tumor surgiu no peito, devorando seu coração. Havia nele agora um vazio que não cessava de crescer e contaminar o seu ser.

Próximo de si, a alegria, o medo, a ansiedade, o desejo e o amor. Mas não acreditava poder participar de nenhuma emoção. Havia isolado de si, os demais. Era diferente, repetia para si mesmo. Nunca havia desejado tanto sentir aquelas emoções. Até agora.

Decidiu que do seu jeito, haveria de conhecer esses sentimentos. Sentia-se próximo da morte, tão forte era a tristeza que agora sentia por tanto tempo haver declinado dos mais intrínsecos sentimentos e emoções humanas. Escolheria cautelosamente cada passo.


E assim, iniciou seus primeiros passos em direção contrária às sombras. Mas elas haviam se acostumado com ele. Viam-no como uma cria agora, propriedade delas. Não permitiriam que fosse embora. Assim, quando ele se foi, as sombras atrás dele vieram.

E ele? Ele continua na estrada.

Saturday 7 January 2012

As Sombras de um Novo Ano

Ele busca pelas palavras mas não as encontra. A fina chuva, porém, o encontra facilmente. Ele olha para seus calçados e lembra que um dia eles já foram a prova d'água. Eles já atravessaram florestas no norte e desertos no sul. Hoje, eles já estão bem gastos. E seus pés já estão molhados antes que ele alcance uma cobertura. Ele continua caminhando calmamente. Após alguns minutos, ele para em frente a estação de St. James Park e então, lembranças também o alcançam.

Ele desiste de pegar um trem na estação e segue em direção ao parque. Olha para os dois lados da avenida antes de atravessar e não percebe carro algum. Ele sorri para si mesmo ao chegar na entrada do St. James. Em sua cidade natal, entrar em um local como esse tarde da noite seria um convite ao desastre. Aqui, ele não encontra uma só alma por perto. Ele observa as sombras projetadas e os galhos retorcidos das altas árvores. Até alcançar uma encruzilhada.

St. James Park em um dia de verão.


Apesar da má iluminação do local, ele se sente seguro. Forçando um pouco a vista, em meio a chuva, ele percebe pequenas setas apontando para diversas direções: O Palácio de Buckingham no Oeste, The Mall e o St. James Palace no Norte, the House Guard no Leste e o Birdcage Walk no Sul. Ele se lembra dos pelicanos e dos outros muitos pássaros que costumam viver naquele local, das fotos que já tirou durante o dia e do quanto ele sentia falta da sensação de estar só.

O St. James Park é o mais antigo dos Parques Reais. E o favorito dele também. A última vez em que ele esteve ali foi no Outono. Quando as muitas folhas amareladas e vermelhas transformavam o local em uma obra de arte encantadora. Ele amava ver os pequenos esquilos. Audaciosos, vinham até as mãos daqueles que ofereciam pequenos pedaços de pão ou biscoito. Então, ele percebe que além de completamente molhado, também está sentindo fome. E se pergunta onde poderá encontrar o mercado aberto mais próximo.

Os Esquilinhos daqui são corajosos.


Ele começa a deixar o parque e as lembranças para trás. Mas no fundo, não gostaria de partir. Não há ninguém esperando por ele. Não há um local onde ele possa chamar verdadeiramente de lar. Se não estivesse se sentindo tão faminto, é possível que ele se decidisse por permanecer um pouco mais. Então, percebe que há alguém se aproximando. Um homem, vestindo um kilt e carregando uma bagpipe. Ele já viu pessoas assim tocando em troca de algumas moedas, bem próximo do parque, em Westminster.

Ele olha para trás e percebe o quanto mudou. O ano se iniciou há apenas poucos dias e ele não consegue perceber mudança alguma em sua vida. Nem novos planos, nem novos sonhos. O novo ano parece ser como uma sombra daquele que finalmente chegou ao seu fim. É como se a passagem de tempo se congelasse e ele estivesse na mesma encruzilhada de anos atrás, mas com setas apontados para rumos diferentes. No fim, ele prefereria permanecer naquele parque. Mas sua fome o obriga a seguir em frente.