Saturday 31 March 2012

O Pássaro Morreu

As ferramentas disponíveis eram antigas, desgastadas pelo uso e pela falta de cuidado. Ainda assim, o trabalho continuava precisando ser feito. E então, a frustração. Nada parece funcionar. Linguagens diferentes são ouvidas: Polonês, Lituano e Russo. Quando alguma linguagem mais familiar é ouvida, é sobre um assunto desinteressante: Futebol. Talvez as diferenças entre as pessoas na "Pátria Amada" e na terra da Rainha não sejam tão grandes assim. Os meus pensamentos definitivamente não estavam ali.

"Awakening from this dream, he was overwhelmed by a feeling of great sadness. It seemed to him that he had spent his life in a worthless and senseless manner; he retained nothing vital, nothing in any way precious or worth while. He stood alone, like a shipwrecked man on the shore." Siddhartha, Hermann Hesse.

Não me recordo de quantas vezes acordei, pensando sobre onde eu estava e sobre quem eu tenho sido. Sobre todas as mudanças que sobrevieram. Com o amargo das consequências de cada decisão tomada e o peso que insisto em carregar, sinto minha respiração se tornar cada vez mais difícil. Então, algo acontece. Penso em tudo que tenho aprendido até aqui e me acalmo. Há um propósito. Sempre há um propósito para tudo abaixo dos céus.

Minha camisa está suja com o meu sangue. Mais uma vez. Olho para as minhas mãos e percebo que, por conta de algum descuido, me cortei. Mas é apenas um ferimento que deixará uma pequena cicatriz. Não me importo. Nunca me importo e penso no quão terrível é não se importar. Seja na mão, braço, peito, pernas ou coração. Vivo de levantar e prosseguir. Continuo o trabalho, mesmo sentido a dor em executá-lo. Por quanto tempo mais irei me punir pelas minhas faltas?

Estou morando mais próximo do meu trabalho. Aproximadamente trinta e cinco minutos de caminhada. No caminho, um parque. Com interesse, atravesso o mesmo pelas manhãs e noites que antecedem e procedem minha escala diária de trabalho. Nestes primeiros dias de Primavera, a presença do sol é muito agradável. Hoje fico a pensar nos sonhos que tanto me perturbam. Busco o refrigério das árvores. Havia tanta tristeza em mim. Porém o dia me convence que eu estava errado. Me convence que preciso mudar meu humor. Um pequeno esquilo parece me seguir, com um olhar curioso. Começo a conversar com ele. Apesar da timidez inicial, ele se aproxima. Sento na grama, abro minha velha mochila, cheia de remendos, e tiro de dentro um saco de peras. Mordo a fruta e levo o pedaço para bem próximo do esquilo. Para minha surpresa e admiração, ele não apenas agarra o pedaço, como também usa os dentes para descascar a pera, para em seguida comê-la. Após praticamente comer minha pera sozinho, ele se vai, me deixando feliz e embaraçado. Meu humor havia sido drasticamente alterado por aquela criatura.

Um reinício. Mais uma Reinvenção. Uma nova página em branco. Como um náufrago, me coloco de pé e de costas para as águas. Preciso deixá-las conduzirem para longe, toda a sobrecarga que insiste em me fazer companhia. Neste momento, porém, me sinto sozinho. E me sinto bem assim.

Wednesday 21 March 2012

Still got the Blues

"Not being able to govern events, I govern myself."
- Michel de Montainge.

Na Minha Solidão - Miserável Blues

Tanto já fora lançado aos ventos
Sonhos, frustrações e melancolia
Indagações e tão diferentes contos
De quem um dia conheceu a alegria

Janelas fechadas e chuva a cair
Pois há a mesma triste canção
Gritos que não se podem ouvir

E as sombras já descem sobre todos
Um quarto vazio, uma noite sozinho
Lembranças de planos mal traçados
Com sede, mais um cálice de vinho

E na solidão, uma nova provocação
No caminho torto deste meu coração
O meu nome hoje é blues.

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Hoje a noite eu tive companhias excelentes: Um Merlot Californiano...doce, eu sei, para tratar do amargo gosto que tenho sentido, e Blues. Muitos Blues. Gary Moore, John Coltrane, Ella Fitzgerald, Duke Ellington e uma generosa dose de Louis Armstrong.

Neva em quase toda a Europa neste momento. Aqui, apenas uma leve chuva. Mas eu sentia um desejo tão grande de caminhar, que esquecendo propositalmente o guarda-chuva, deixo ela me molhar. Por um momento, fixo o meu olhar na antiga igreja ao lado do parque.

Volto para casa. Me sento em frente ao computador ainda molhado. Meu chá verde esté gelado. Tal qual minhas mãos. Ligo o aquecedor e volto a escrever. Por que parece ser tão mais difícil agora, voltar a escrever? Por que compartilhar se tornou tão difícil?



Me pergunto mil vezes o que estou fazendo e para onde estou indo. A única resposta que tenho vem do Blues: Sonho um pequeno sonho. Talvez com lugar e hora para terminar. Mas vou aproveitar até o últimmo momento, cada pedaço deste pequeno sonho. Vejo as notícias sobre o meu país e tudo o que vem acontecendo e perco completamente a vontade de voltar. A economia mudou, a realidade de alguns mudou, mas o pensamento de muitos continua completamente o mesmo. E tal qual saí do Brasil, ainda me sinto doente por conta desse pensamento.

"Every now and then a clear harmonic cry gave new suggestions of a tune that would someday be the only tune in the world and would raise men's souls to joy."
- On the Road, Jack Kerouac.

Ainda estou aqui. E não sei o que vai acontecer comigo se eu permanecer nesta Estrada. Só sei que nesta noite, eu sou o Blues.

Wednesday 14 March 2012

Entre Sonhos

Não há estrelas no céu quando o vejo. Parece fazer tanto tempo desde nossa última aventura juntos. Não sei bem onde estou. Além dos muitos barcos ancorados em diversos piers que me fazem lembrar de Barcelona, não há um sentimento de familiaridade com o local. Ele se aproxima de mim, mas não muito. - Você esta atrasado! Elas estão nos esperando para almoçar e já estamos quase na hora do jantar!

Não escuto sua voz. Nem vejo o brilho dos seus olhos. Mas entendo o que me diz. Então, em meio as poucas luzes, começo a segui-lo em direção ao balcão de um velho bar, a beira da praia. Percebo naquele momento que há mais pessoas no local. Indo e vindo. Conversando entre elas, agitadas pelo clima de festa que esta estranha noite parece trazer mas que tão dificilmente conseguirá me contagiar.

São duas lindas meninas a nos esperar. Não parecem tão aborrecidas assim pelo meu atraso. Na verdade, são puro sorriso e excitação. Rapidamente se apresentam mas eu não consigo escutar seus nomes. Uma delas, a mais nova, eu já conhecia de outros carnavais. O que ela faz aqui, eu me pergunto. E quem é levado cativo em seu olhar sou eu. Logo em seguida, percebo que ele fala comigo: - Essa já é sua, filho.

Ela larga displiscentemente um copo com algum drink em cima do balcão, vem até mim em poucos passos, de forma sensual e me envolve com seus braços. Poderia ser ela, uma outra pessoa? Por que então, cada lembrança parece me envolver mais intensamente que seus braços? Eu espero que não seja realmente ela. Que seja apenas minha mente exausta a me confundir, fico a rogar. E busco no corpo dela alguma confirmação.

Silêncio. Quero ouvir algo dela. Então percebo que não preciso de respostas. Olho casualmente para o outro casal. Eu tento algum contato pelo olhar com ele. Nada. Ele parece ocupado demais com a outra menina. - Pai! Eu chamo. Ele dirige o olhar lentamente até mim mas não diz uma só palavra. Mesmo uma que eu não pudesse ouvir. Eu digo: - Estou indo agora. Eu olho para ela e sussurro em seu ouvido: - Você fica aqui com eles, tudo bem? Ele me responde apenas com um olhar enfurecido.

Acordo. Há lágrimas em meu rosto. Me sinto desorientado e procurando entender onde eu estou. Distante dos únicos que talvez se importem realmente comigo. Carregando muito mais culpas do que quando cheguei. Sentindo meu coração completamente esmagado contra meu peito. Minha respiração parece estar falhando. Me concentro por um momento, tal como se fosse necessário lembrar de como executar algo tão simples. Me acalmo. Me levanto. Vou mais um dia, trabalhar.

Thursday 1 March 2012

Um Dia Qualquer

Foram apenas duas horas e trinta minutos de sono. Ele acorda inúmeras vezes, vira para o lado e segura de forma desajeitada o celular, para confirmar as horas. Faltam 4 minutos para o despertador disparar o alarme. Ele decide desliga-lo antes e se levantar. Mais um dia de trabalho o aguarda.

Londres, UK. O país ainda sofre os efeitos da crise internacional. Pessoas demais, empregos de menos. Com a abertura do país para a entrada de estrangeiros do Leste Europeu, a situação apenas se agravou. O preço das Universidades aumentou consideravelmente. Sem bons trabalhos e agora, com a possibilidade de estudar ainda menor, uma questão volta a assombra-lo. Por que continuar?

Lentamente, ele se levanta da cama barata comprada há poucos meses e já com algumas molas arruínadas. Procura pelas meias e em seguida pelo par de tênnis. Por fim, veste um jumper extra, seu casaco pesado e sua boina. Coloca algumas outras peças de roupa na mochila (para serem usadas na academia) e sua escova de dentes.

Na cozinha, ele coloca uma caneca de leite desnatado que fora comprado no dia anterior com um pouco de café solúvel no microwave. Dois minutos bastam para seu café da manhã estar pronto. Assim que termina de beber, ele pega as chaves, carteira, mochila e seu Oyster, e desce as escadas da Dover House em direção a estação de Brixton. Ainda não são sete da manhã.

Pela manhã, ele pensa em desistir. Está cansado e com frio. Não tem dormido mais do que quatro horas por noite há muitas semanas. Ele também pensa no seu deus. Haveria algum propósito em ter fé e continuar agindo da mesma forma indisciplinada, dos últimos 3 anos? Não é a primeira e nem a última vez que ele pensará sobre isso.

O dia de trabalho não é tão desagradável. Os colegas de trabalho, Ingleses da cidade de Newcastle e Sunderland, o tratam com respeito. Sua função é distribuir e instalar diferentes tipos de cabos elétricos em um prédio em construção. Um fututo alojamento para estudantes universitários no Norte de Londres. Ainda não há janelas ou paredes externas, o que permite que o vento gelado do inverno o atormente durante o dia. Mas em alguns dos quartos, há telas de proteção que impedem a entrada do vento e também da luz. São nesses lugares onde ele se sente melhor. Sozinho, na escuridão. Perdido em pensamentos.

No fim do dia, um convite da parte dos seus colegas de trabalho. Jantar em um "Pub" próximo. A conta vai ser paga pelo patrão, anuncia um deles. Ele decide ir.

The Twelve Pins. Um tradicional pub Irlandês. Comida caseira e uma variedade razoável de cervejas. Diversos telões de tv transmitem diferentes partidas de futebol. A maioria dos que ali estão no momento, parecem ser ingleses que acabaram de sair dos seus trabalhos. O chefe se chama Carl. Ele tem 37 anos, casado, dois filhos. Ele faz questão de pagar uma "Brown Ale" produzida na sua cidade natal e que leva o mesmo nome: Newcastle.

No início eles não encontram um lugar para sentarem. O Pub está realmente cheio. Até que uma das waitress, os convida para sentar em uma das poucas mesas localizadas no fundo do Pub. Eles começam a beber e conversar. No início falam de futebol. Parece que os homens ingleses, principalmente os que trabalham na área de construção civil, só sabem falar de futebol. Mas quando estão na terceira rodada de bebidas, eles se abrem mais. O patrão começa a perguntar sobre sua vida e ele comenta de suas viagens. Com isso, passa a se tornar o centro das atenções da mesa. Cada um com seu celular nas mãos, passam a mostrar as fotos de familiares, viagens, etc.

Ele passa a perceber que aquele momento é exatamente aquilo que ele procurava quando tanto desejava sair do Brasil: Dividir experiências com outras pessoas ao redor do mundo. Começam a falar de passado e futuro, experiências e planos. Terminam a quinta rodada de bebidas e decidem ir embora. Ele se despede, agradecendo o convite, o jantar e a conversa. Segue para a estação de trem mas desiste de ir para casa pelo meio mais rápido. Ele vai caminhando. Pensando em tudo o que falou e ouviu, ele decide que ainda vale a pena ficar ainda um pouco mais na cidade. Ansioso para pisar na Estrada. Mas feliz por não mais estar sonhando com uma vida diferente. Ele está agora vivendo seu sonho.