Friday 13 January 2012

O Menino que vivia nas Sombras

As opiniões pouco se mostravam importantes. Talvez fosse orgulho. Desejo de seguir um caminho exclusivo. As pessoas eram diferentes. Não foram constituídas nem forjadas com o mesmo tempero que deram origem a este conjunto de escudo e espada.

Ego. Como uma criança, enxergava o mundo, a realidade e tudo que nela há a partir apenas dos seus olhos e dos seus frágeis e incertos conceitos. Um príncipe criado em um castelo indevassável. O resto era visto com curiosidade, porém falso interesse.

Era rei apenas em sua própria ruína. Os laços que havia feito eram frágeis e se desfizeram com incrível velocidade. O castelo, por fim, ruiu. Nada abaixo dos céus permanece para sempre. Começava a entender e aprender sobre certas verdades na vida.


Com o decorrer dos anos, viu que as areias não deixavam de cair por sua causa. E nem deixavam de fazê-lo por ninguém. O mesmo sol estava acima de todos. Então, mais uma vez, procurou um caminho diferente dos demais. Ele escolheu habitar nas sombras.

Ausência de medo. Amava as sombras como poucos. Se haviam fantasmas naquele lúgubre território, ele haveria de se tornar um deles. Nada mais importava. Grandes referências haviam partido para um mundo onde ele não desejaria ir naquele momento.

Havia mudado sua forma de lutar e suas armas. Mesmo a armadura já não fazia mais sentido em ser usada. Sentia-se protegido pela solidão e pelo silêncio. Ninguém haveria de saber o que se passara naquele coração. E assim, enxergava-se como privilegiado.

Uma multidão de sentimentos era assistida tal qual uma peça, com os atores tão próximos dele, mas ainda assim, sem vê-lo. Um tumor surgiu no peito, devorando seu coração. Havia nele agora um vazio que não cessava de crescer e contaminar o seu ser.

Próximo de si, a alegria, o medo, a ansiedade, o desejo e o amor. Mas não acreditava poder participar de nenhuma emoção. Havia isolado de si, os demais. Era diferente, repetia para si mesmo. Nunca havia desejado tanto sentir aquelas emoções. Até agora.

Decidiu que do seu jeito, haveria de conhecer esses sentimentos. Sentia-se próximo da morte, tão forte era a tristeza que agora sentia por tanto tempo haver declinado dos mais intrínsecos sentimentos e emoções humanas. Escolheria cautelosamente cada passo.


E assim, iniciou seus primeiros passos em direção contrária às sombras. Mas elas haviam se acostumado com ele. Viam-no como uma cria agora, propriedade delas. Não permitiriam que fosse embora. Assim, quando ele se foi, as sombras atrás dele vieram.

E ele? Ele continua na estrada.

Saturday 7 January 2012

As Sombras de um Novo Ano

Ele busca pelas palavras mas não as encontra. A fina chuva, porém, o encontra facilmente. Ele olha para seus calçados e lembra que um dia eles já foram a prova d'água. Eles já atravessaram florestas no norte e desertos no sul. Hoje, eles já estão bem gastos. E seus pés já estão molhados antes que ele alcance uma cobertura. Ele continua caminhando calmamente. Após alguns minutos, ele para em frente a estação de St. James Park e então, lembranças também o alcançam.

Ele desiste de pegar um trem na estação e segue em direção ao parque. Olha para os dois lados da avenida antes de atravessar e não percebe carro algum. Ele sorri para si mesmo ao chegar na entrada do St. James. Em sua cidade natal, entrar em um local como esse tarde da noite seria um convite ao desastre. Aqui, ele não encontra uma só alma por perto. Ele observa as sombras projetadas e os galhos retorcidos das altas árvores. Até alcançar uma encruzilhada.

St. James Park em um dia de verão.


Apesar da má iluminação do local, ele se sente seguro. Forçando um pouco a vista, em meio a chuva, ele percebe pequenas setas apontando para diversas direções: O Palácio de Buckingham no Oeste, The Mall e o St. James Palace no Norte, the House Guard no Leste e o Birdcage Walk no Sul. Ele se lembra dos pelicanos e dos outros muitos pássaros que costumam viver naquele local, das fotos que já tirou durante o dia e do quanto ele sentia falta da sensação de estar só.

O St. James Park é o mais antigo dos Parques Reais. E o favorito dele também. A última vez em que ele esteve ali foi no Outono. Quando as muitas folhas amareladas e vermelhas transformavam o local em uma obra de arte encantadora. Ele amava ver os pequenos esquilos. Audaciosos, vinham até as mãos daqueles que ofereciam pequenos pedaços de pão ou biscoito. Então, ele percebe que além de completamente molhado, também está sentindo fome. E se pergunta onde poderá encontrar o mercado aberto mais próximo.

Os Esquilinhos daqui são corajosos.


Ele começa a deixar o parque e as lembranças para trás. Mas no fundo, não gostaria de partir. Não há ninguém esperando por ele. Não há um local onde ele possa chamar verdadeiramente de lar. Se não estivesse se sentindo tão faminto, é possível que ele se decidisse por permanecer um pouco mais. Então, percebe que há alguém se aproximando. Um homem, vestindo um kilt e carregando uma bagpipe. Ele já viu pessoas assim tocando em troca de algumas moedas, bem próximo do parque, em Westminster.

Ele olha para trás e percebe o quanto mudou. O ano se iniciou há apenas poucos dias e ele não consegue perceber mudança alguma em sua vida. Nem novos planos, nem novos sonhos. O novo ano parece ser como uma sombra daquele que finalmente chegou ao seu fim. É como se a passagem de tempo se congelasse e ele estivesse na mesma encruzilhada de anos atrás, mas com setas apontados para rumos diferentes. No fim, ele prefereria permanecer naquele parque. Mas sua fome o obriga a seguir em frente.