Friday 6 April 2012

Um Coração na Estrada

Lua cheia. Uma fria noite de primavera. Do lado do esquecido jardim, onde antigas estátuas observam a beleza do canal que desce ao longo da propriedade, um timbre agudo e estridente é ouvido. Um vaso quebrado se coloca no caminho até a pequena lagoa. Dois leões segurando escudos observam seu caminhar. Nas sombras, uma pronação aumenta o timbre. As árvores e as nuvens cobrem a lua. E então, uma supinação. O timbre é diminuido e uma respiração é presa. A música segue. Ele volta para a sala. Fecha as portas, fugindo do frio e da escuridão. Fica a pensar do que mais ele estaria fugindo. Seria da dor? Do passado? Bach. Magnífico. Se sente confortável agora. Talvez ele possa responder algumas cartas. Talvez ele possa dar seguimento ao seu livro. Mas a música, a lua e o vinho, o arrebatam daquele lugar. Sem resistir, ele se entrega. Seu coração já conhece o caminho.

Fiquei pensando durante quase toda semana em algo que algumas amigas minhas me disseram no final de semana passado, enquanto nos divertíamos pelas noites de Londres. Principalmente por que, em outras ocasiões, outras pessoas também muito queridas comentaram sobre o mesmo assunto: Minha suposta aversão pelo Brasil.

Não é um assunto simples para mim. Não se trata, tão pouco, de fazer pouco caso de tudo quanto vivi no meu país e deixei para trás. O que para mim se mostra interessante, é o fato de que, por não desejar compartilhar com a maioria, os reais motivos, eu tenho dado desculpas que não correpondem exatamente com a realidade. Sim, eu tenho mentido.

Não se trata de dinheiro. Eu não era rico e nem tinha uma carreira, é bem verdade. Mas eu vivi muitas diferentes fases. Vivi no muito e no pouco. Tive alguns empregos interessantes, outros nem tanto. E sempre tive muitos amigos. As mais loucas atividades e diversão nunca me faltaram enquanto estive no meu país.

Não se trata de visão política ou social. Por mais que eu tenha pesadas críticas sobre tudo que acontece de podre, e posso dizer isso sem medo de errar, pois trabalhei na política do meu Estado, não foi esse o motivo. Nem o fato de eu sentir uma forte repulsa a falta de educação e certas manifestações culturais típicas de onde eu vivi.

Qual seria então, o motivo de estar tão feliz, mesmo longe das pessoas que mais amei? Mesmo longe de onde minha inteligência e cultura eram muito mais reconhecidas? Por que eu não consigo sentir o menor desejo de retornar?

Vou ser sincero: Desde antes da morte do meu pai, quando eu tinha dezessete anos de vida, eu sonhava em ser livre. De conhecer uma liberdade que ninguém havia me apresentado ou falado sobre, mas que havia nascido no meu coração antes mesmo de eu me apaixonar por uma menina pela primeira vez. Eu sonhava em não ter uma família, em não pertencer a nenhum grupo específico da escola e, principalmente, em não fazer o mesmo percurso das demais pessoas que vieram antes de mim.

Após a perda do meu pai, eu fiquei em choque. Senti um desejo imenso de ser pai e de possuir uma família. Mas a origem disso me é bem clara hoje: Eu me sentia culpado por não ter sido um bom filho. O filho que meu pai havia sempre sonhado. Uma cópia melhorada dele mesmo. E esse desejo me seguiu por muitos anos. E esse mesmo desejo lutou ferozmente por mais de uma década contra minha natureza. Até que, em algum momento, na maior e mais completa sinceridade comigo mesmo, eu percebi que caminho eu deveria tomar. Era chegado o momento de não mais negar a mim mesmo quem eu era.

Eu realmente acreditei e compartilhei, inclusive com pessoas próximas ou não, que aquele desejo de possuir uma família era meu maior sonho.

Hoje, não.

A vida me revela de forma honesta, no presente momento, que claramente só há um sonho dentro de mim: Ser e continuar livre! Somente há poucos anos atrás, desde que abandonei meu país, família e amigos, eu alcancei essa verdade. Eu amo não saber o que vai acontecer comigo. Não possuir a menor idéia de como ou onde eu estarei vivendo nos próximos meses ou anos. Desconhecer as pessoas que vão entrar ou vão sair da minha vida. De viver uma página em branco, praticamente todos os próximos anos de minha existência.

Hoje, sim. Hoje eu vivo o meu maior sonho. Apenas o primeiro passo na minha Estrada.